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China: O novo Império do Automóvel

Pos várias ocasiões, a China tem sido citada como “A Fábrica do Mundo”. Todos sabem que inúmeras e importantes marcas ocidentais, de variados produtos, vem transferindo há tempos parte de suas operações fabris para lá, reduzindo seus custos de produção e procurando, ao mesmo tempo, ocupar um espaço no maior mercado consumidor do mundo. Fenômeno semelhante ocorre no campo da indústria automobilística na China, que conta com mais de cinqüenta montadoras diferentes já instaladas, entre nacionais e estrangeiras, contra as cerca de 15 em território dos EUA.
Por outro lado, o conceito que o “made in China” tem entre nós, ainda está atrelado a um sentimento de desconfiança, sendo normalmente associado a produtos baratos, porém de baixa qualidade, muitas vezes cópias óbvias de similares ocidentais.
Se esta é também a sua opinião a respeito dos produtos chineses, pode ir se preparando para reciclar seus conceitos; E colocar uma coisa na cabeça: A China aprende rápido e está se preparando para invadir o mundo com produtos de qualidade. 


A história que se repete, agora em escala maior
O modus operandi dos chineses não é muito diferente daquele que foi adotado pelo Japão, antes de invadir o mercado ocidental com suas marcas, que hoje estão entre as de maior prestígio no mundo. Procedimento semelhante foi o adotado pela Coréia do Sul, com produtos que também não gozavam de grande prestígio quando chegaram por aqui, e que hoje possuem uma imagem de grande respeito e com números de vendas crescentes. Ambos os países, depois de terem visto suas marcas serem tratadas com desconfiança num primeiro momento, pelo ocidente, aprenderam a como produzir com qualidade e eficiência acima da média, utilizando-se para tanto das tradicionais disciplina e determinação orientais, num trabalho de esforço e dedicação quase incansáveis. No caso da China, entretanto, devemos nos preparar para uma invasão em escala muitas vezes maior, em todos os sentidos.


O design como instrumento de dominação cultural
No caso do pioneiro Japão, o que passamos a vivenciar na fase seguinte ao sucesso da qualidade de seus produtos, foi a exportação de sua cultura. Lembro-me muito bem de uma aula de há muitos anos atrás, com um grande amigo e estudioso da história do automóvel e de sua evolução, o Prof. Carlos Ignácio Alexandre. Ele foi o primeiro a me fazer enxergar que o design pode ser utilizado como uma fortíssima alavanca de exportação da cultura de um povo, um verdadeiro instrumento de dominação cultural e de mercado, que por sua vez pode trazer grandes lucros para a nação que dele souber fazer bom uso. Numa ocasião em que as marcas japonesas haviam atingido há pouco tempo o status que tem hoje, sua observação se ancorava no fato dos automóveis estarem, àquela época, adquirindo feições orientais, com faróis à semelhança de olhos puxados, com uma expressão quase que sugerindo a postura de ataque de um samurai. Esse símbolo de agressividade nipônica passou então a substituir rapidamente os signos tipicamente ocidentais, como as grades de radiador proeminentes e grandes faróis, à semelhança de olhos mais abertos. Signos estes resgatados na última década, com o retorno de características mais ocidentais, com modelos ostentando proeminentes grades de radiador, como no caso do Chrysler 300, por exemplo. Um resgate de elementos do design automotivo ocidental, muito auxilado pela onda retrô que tanto influenciou o design dos últimos anos.


Próximo passo: Exportar a cultura chinesa para o mundo.
Para atingir seus objetivos, os chineses trabalham duro, procurando ao mesmo tempo aprender tudo o que podem com os fabricantes tradicionais, além de investirem pesadamente em educação, ciência, tecnologia e...design. Tudo numa escala muito maior do que nós, brasileiros, por exemplo, estamos fazendo. Hoje, cerca de dez mil novos designers são formados anualmente na China, através das mais de 400 escolas de design, atendendo desde o nível técnico até o superior , este último comportando mais de 900 cursos do gênero, espalhados principalmente pelas regiões de Xangai, Pequim, Cantão e Shenzhen.

As exóticas marcas de automóveis chinesas, tais como Geely, Chery, Changfeng, Hafei, Jianghuai (JAC), Great Wall, Changan (Chana), Roewe ou Brilliance, procuraram, em sua maioria, associar-se a fabricantes tradicionais (todos por sua vez de olho no robusto mercado consumidor local), não apenas num esforço de atendimento à crescente demanda interna, mas principalmente com o objetivo de aprender a fazer, e aprender a fazer melhor. Dessa forma, o que se viu nos últimos anos foram associações do tipo Tianjin-FAW-Toyota, Shanghai-GM, FAW-Volkswagen, Beijing-Hyundai, Guangzhou-Honda-Peugeot-Citroën, Shanghai-Volkswagen, etc.

Longe de ser uma fórmula nova, esse tipo de associação vem ocorrendo historicamente em várias partes do mundo, inclusive aqui no Brasil. Foi o caso, por exemplo, da DKW-Vemag, que acabou mais tarde sendo absorvida pela Volkswagen, ou da Willys-Overland, que chegou até a desenvolver um projeto paralelo ao R12 da Renault francesa, mas que foi incorporada pela Ford, que assumiu o projeto e o lançou com o nome de  Ford Corcel. Uma das diferenças entre nós brasileiros e eles - japoneses, coreanos e chineses - é que das associações feitas no Brasil, nenhuma resultou numa marca realmente brasileira, idéia que nunca teve por aqui a acolhida devida por parte das autoridades governamentais. Simplesmente nunca houve interesse, provavelmente porque haviam outros interesses mais poderosos em jôgo. O último e triste exemplo de fracasso na tentativa de se criar uma marca de automóveis genuinamente brasileira foi o da Gurgel Motores, que merecerá, futuramente, um artigo específico no Autotimeline.

Mas esse tipo de associação entre empresas locais e parceiros estrangeiros nunca havia ocorrido antes em tão grande número num mesmo país, numa escala tão grandiosa de produção e de consumo e num mercado em ritmo de crescimento tão assustador, como o que está ocorrendo hoje na China do século XXI.

Os chineses sabem muito bem que o design é uma arma poderosa para a expansão de suas exportações e um multiplicador de lucros, agregando valor a seus produtos e fomentando empregos com melhor qualificação, nível de renda e satisfação para seus cidadãos. E estão se preparando fortemente para alçar o design chinês a um novo patamar, transformando-o em uma ferramenta exportadora de sua cultura.

Quando isso se dará? Nós apenas podemos conjecturar, mas sem dúvida alguma, os chineses têm plena consciência desse poder do design e estão claramente se preparando para “virar a mesa” do jogo, e em breve. Nas palavras do designer australiano Ken Cato, com larga experiência no mercado chinês de design, “O que vem por aí é um verdadeiro tsunami”.


Da imitação à inovação
Ainda que tenhamos notado ao longo dos últimos anos, inúmeras “inspirações” chinesas em veículos ocidentais, devemos atentar para o fato de que os consumidores locais estão ficando cada vez mais exigentes e já não estão se contentando com simples cópias de  modelos estrangeiros. Além disso, os fabricantes domésticos sabem que seus produtos precisam adquirir personalidade própria para se impor no mercado global. Para surfar nessa onda do crescimento chinês, tanto as montadoras estrangeiras quanto as nacionais, tem se aplicado no desafio de desenvolver um design voltado não apenas para as preferências estéticas locais, mas também visando o mercado de exportação, com uma sutil linguagem estética chinesa, que será, sem sombra de dúvidas, paulatinamente incorporada e intensificada em seus produtos de exportação, até que, quase sem percebermos, estaremos assimilando naturalmente sua cultura. O mundo sempre anseia por novidades no design. E desta vez a novidade será muito provavelmente chinesa.

Conexão China-Itália: Um atalho para o design chinês
Essa consciência a respeito da importância estratégica do design para os planos de uma expansão ainda maior de sua economia, tem levado algumas marcas locais a buscar um atalho "em grande estilo", que é a contratação de nomes de peso no setor, para o design de seus novos modelos. Este foi o caso, por exemplo, da italiana Pininfarina, que montou uma filial em Pequim, já em 1996, e que de lá para cá vem percebendo o acerto desta decisão, até por uma questão de estratégia de sobrevivência, em decorrência da crise que tomou conta dos estúdios de design italianos de uns tempos para cá. Hoje a Pininfarina detém cerca de 30% desse mercado na China, e está ampliando sua participação, através de acordos de cooperação com universidades locais, como as de Tsinghua (Pequim) e Tong Ji (Shangai), visando a capacitação de profissionais e o trabalho conjunto em pesquisa e desenvolvimento no design e na engenharia.
Com o apoio da AutoCity Shanghai International Development (SIAD), órgão governamental criado para fomentar o desenvolvimento do setor, a Pininfarina está investindo também em um Centro de Desenvolvimento de Produto na região de Shangai, onde prestará serviços de design e engenharia para as montadoras locais.
Com a colaboração dos estúdios italianos, portanto, o processo de estabelecimento de uma identidade própria no design automobilístico chinês tende a se acelerar.


Carros chineses com design italiano: Uma análise de estilo
O que se nota nos modelos chineses desenhados por estúdios de design italianos, são características gerais de conotação européia, bem mais discreta que aquela encontrada nos modelos desenhados pelos fabricantes chineses, porém com a utilização de elementos estéticos da cultura local, reproduzidos sutilmente, como forma de se dar o primeiro passo na direção do estabelecimento de uma identidade própria no design, mas sem perder de vista o mercado de exportação, que não aceitaria determinadas extravagâncias encontradas em alguns modelos chineses mais tradicionais.