quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Anos 1930: A época de ouro do design automotivo (Parte II).


Para compreendermos as bases nas quais se apoiou o Streamline Design, voltemos novamente no tempo. A percepção de que a forma exerce uma importante influencia no grau de dificuldade com que um objeto se desloca no espaço é bastante antiga. Por esse motivo, desde o início de sua história, o automóvel sofreu intervenções da parte de pioneiros como Charles Jeantaud e Camille Jenatzy, que buscavam reduzir a resistência aerodinâmica em veículos de competição ou de recorde.

Acima (da esquerda para a direita) os elétricos Jeantaud Profilée, de 1898 e o “Jamais Contente” de Jenatzy – 105,312 Km/h em 1899 – seguidos pelo General 40HP Spider, de 1902. A preocupação com a aerodinâmica começou cedo.

Tais esforços foram sofrendo aperfeiçoamentos, até que - a partir dos anos 1920 - estudiosos do tema, como Edmund Rumpler e principalmente Paul Jaray, ajudaram a formatar as bases científicas que  influenciariam o desenho das carrocerias a partir dos anos 1930, as quais viriam a ser aperfeiçoadas em pleno período de depressão por pesquisadores como Wunibald Kamm. Estes que podem ser considerados como os capítulos iniciais do desenvolvimento da aerodinâmica aplicada ao automóvel, compõe um assunto que merecerá, futuramente, um artigo específico aqui no Autotimeline.

As pesquisas de Rumpler, Jaray e Kamm no campo da aerodinâmica. Assunto para um futuro post.

Até meados da primeira metade dos anos 1930, entretanto, a aplicação dos conceitos aerodinâmicos nos automóveis de produção seriada era bastante baixa, restringindo-se a algumas encomendas especiais feitas por entusiastas dispostos a pagar altos preços, como foi o caso da carroceria em formato fusóide elaborada pela Carrozzeria Castagna, a pedido do Conde Ricotti, sobre um chassi Alfa Romeo, em 1913; Ou mesmo o Opel “Egg”, de Max Lochner, em 1912.

Alfa Romeo/Castagna do Conde Ricotti e Opel Egg. Aerodinâmica sob encomenda em plenos anos 1910.

De volta aos anos 1930, a Grande Depressão trouxe como conseqüência uma forte retração no consumo, mesmo por parte da população que ainda tinha condições de fazê-lo. Tornou-se então absolutamente necessária a elaboração de novos estímulos para que os consumidores voltassem às compras, fazendo a roda da economia girar novamente.

A grande maioria das pessoas encontrava-se numa espécie de estado de desalento com o sistema, que os havia colocado bem no meio do “olho do furacão” de uma crise sem precedentes. A vontade de todos era a de dormir e acordar no dia seguinte a aquele pesadelo, numa espécie de mundo renovado, repleto de progresso e modernidade. Um mundo talvez despido dos excessos que levaram à crise, mas nem por isso um mundo menos atraente. Esse estado de frustração e desejo de renovação colaborou com uma certa alteração no comportamento social, visível em atitudes carregadas de uma atmosfera mais introspectiva, menos eufórica que nos anos anteriores à crise, denotando um clima de reavaliação de conceitos. Esse ar “blasé” assumido nos anos de depressão, tinha entre alguns de seus representantes máximos a atriz Greta Garbo e sua célebre frase “I want to be alone”, eternizada em “Grande Hotel”, Oscar de melhor filme de 1932. Uma atmosfera refletida igualmente na moda e no design.

Naquele período respirava-se o estilo Art Déco, nascido por volta de 1920 e que teve seu título adotado a partir da “Exposition Internationele dês Arts Décoratifs et Industriels Modernes”, ocorrida em Paris, em 1925. O Art Déco exerceu grande influência sobre a arquitetura e o design até aproximadamente 1939. Em flagrante antagonismo com relação ao estilo seu antecessor, o Art Nouveau, (caracterizado por linhas sinuosas e um tanto rebuscadas, inspiradas em elementos da natureza), o Art Déco passou a fazer uso de uma temática essencialmente geométrica, numa espécie de “ode à máquina e à tecnologia”, que embalava de algum modo os sonhos de modernidade acalentados pela sociedade em geral, mas não com a força suficiente para reerguer e animar as pessoas para uma volta às compras.

Greta Garbo, com seu ar “noir” e alguns exemplos da influência do movimento Art Déco: um isqueiro de mesa Ronson “Touch Tip”, o Cord 812 (com sua carroceria streamline, porém com forte presença de elementos do Art Déco), a garrafa de Crush e o Edifício Chrysler.

Era preciso, portanto, um estímulo novo e mais forte, de tamanho impacto que impulsionasse as pessoas a “comprar um novo sonho”. Algo que imprimisse a sensação de velocidade no necessário, almejado - e desejavelmente visível - processo de transformação da sociedade. Era essa a palavra: Velocidade! E nada melhor para exprimir a idéia de velocidade do que a forma em movimento alterada pelo atrito com o ar, uma forma aerodinâmica. Porém, não necessariamente aerodinamicamente estudada, mas que fosse ao menos percebida como tal. E essa representação da velocidade foi o grande trunfo na busca do estabelecimento de um novo estímulo de consumo, chamado de Streamline Design. O formato de gota tornou-se então a inspiração para todos os produtos, mesmo aqueles que não necessitavam se deslocar no espaço. O que importava era passar a sensação de movimento, de dinamismo, de velocidade.

Clique neste link para ver um documentário da época sobre as vantagens da aplicação da aerodinâmica nos automóveis: "Streamlines" - Vídeo institucional Chevrolet (1936)

O Streamline Design valorizava a representação do movimento, da velocidade, utilizando-se exaustivamente da forma de gota, replicada sem pudores mesmo em objetos estáticos.

A Feira Mundial de Chicago de 1933, que ostentava o título “A Century of Progress” (e que foi reaberta em 1934, em decorrência de seu estrondoso sucesso), trazia como tema a inovação tecnológica e acabou se tornando um marco para o Streamline Design, pois ali foram lançadas desde as locomotivas aerodinâmicas Pullman M-10000 da Union Pacific Railroad e a Burlington Zephyr, até os protótipos Pierce Silver-Arrow e Briggs Streamline, este último o predecessor do bem sucedido Lincoln Zephyr de 1936. Esses veículos estão entre os pioneiros do Streamline Design, que fez escola nos Estados Unidos.

As locomotivas aerodinâmicas Pullman M-10000 e Burlington Zephyr, apresentadas primeiramente na Feira Mundial de Chicago de 1933. Duas outras atrações no evento foram o carro conceito da Briggs (no alto, à direita), que serviria de base para o desenvolvimento do Lincoln Zephyr de 1936 e o Pierce Silver-Arrow (canto inferior direito), que inspiraria uma versão de produção bem menos radical. Todos protagonistas de uma nova tendência de estilo, o Streamline Design.

Também em 1933, só que do outro lado do Atlântico - mais especificamente na Tchecoslováquia (atual República Checa) - a Tatra apresentava o T-77, projetado por Hans Ledwinka, chefe de engenharia da marca. A Tatra foi a grande pioneira na aplicação da aerodinâmica de embasamento científico nos automóveis, bem como da utilização das patentes de Paul Jaray. Sua história como uma das mais revolucionárias marcas de automóveis de todos os tempos também merecerá espaço em um futuro post no Autotimeline.

Acima, o revolucionário Tatra 77 de 1933, o estúdio da marca na época e seu principal mentor, o engenheiro Hanz Ledwinka. A aerodinâmica de Jaray aplicada na produção em série.


E assim começou a era do Streamline Design, cuja história continuaremos a contar nos próximos posts. 

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